Resenha “Gastronomia brasileira: legitimidade e legibilidade”

 

 

“Conciliar legitimidade (enraizamento territorial) e legibilidade (enraizamento histórico no sistema culinário no qual comemos) é o caminho mais difícil. Exige dosar o exótico de nós mesmos com a banalidade de nós mesmos. Exige mergulhos no óbvio – feijões, farinhas de mandioca, derivados do milho, interiores de animais, frutas mais comuns,etc – com leveza, clareza, criatividade e, sobretudo, palatabilidade.” Carlos Alberto Dória

 

            Acho que ao fazer esta pergunta obteremos respostas tão diversas, ao mesmo tempo, verdadeiras e corretas quanto o número de “cozinhas brasileiras”. Por menos que alguém tenha se debruçado sobre este assunto é possível perceber que no Brasil existe uma pluralidade enorme de pratos e ingredientes que representam as regiões de Norte a Sul e que em determinado local representa a mesa do nosso povo. Isso deixa bem claro que existem muitos Brasis dentro no nosso país e isso pode ser dito com relação a manifestações culturais como um  todo, a comida é apenas uma parte.

            O texto de Dória fala, despertando ótimos questionamentos, também sobre está questão da identidade da nossa cozinha. Apresentando os conceitos de Legibilidade e Legitimidade  o autor tenta dar a sua impressão sobre este assunto tão com plexo e que move tantas paixões, sendo por isso muito interessante. Segundo o autor, aquilo que é legítimo de uma região, ele cita o Tucupi como exemplo, nem sempre é legível para a maioria do país, ou seja, o fato de ser típico de um lugar e consumido pelas pessoas, portanto legítimo, não se apresenta legível a população brasileira que não vive no Amazonas e outros estados do Norte.

            Sob este ponto de vista poucos elementos podem ser chamados de “cozinha brasileira “, o autor dá o exemplo do arroz com feijão como um prato verdadeiramente nacional, pois é consumido em praticamente todos os lugares. Mas Dória deixa um pouco de lado e extensão territorial do Brasil que torna praticamente impossível, até pela diversidade de climas e ecossistemas, a existência de uma Legibilidade em termos nacionais. Acredito que só é possível se estabelecer este conceito esquartejando, termo usado por ele, nossa cozinha, como não apontar o cuscuz do Nordeste como legível ? Mas ele não é consumido no país inteiro, assim apesar de legível para os nordestinos ele não seria para os sulistas, por exemplo.

            O Tucupi é mais fácil de classificar como legítimo, pois é um ingrediente de uma região com menor visibilidade nacional e com produção bem localizada. Penso que esse é o ponto marcante do texto, a chamada Gastronomia de Ingrediente, essa sim muito mais legítima que legível, ou, na minha opinião, muito mais oportunista do que verdadeira. Uma gastronomia que vem no embalo de um Brasil que o mundo está conhecendo agora, da própria descoberta, pelos brasileiros, da gastronomia em si e que alguns Chefs, em marketing, estão pegando carona para se promover. Numa tentativa de mostrar aos gringos e aos brasileiros “chiques” todo o exotismo dos “nossos” produtos lança-se mão daquilo que é realmente legível ao nosso povo.

            Acho que isso aconteceu, acidentalmente, com Laurant Suaudau quando chegou no Rio de Janeiro, a Mandioquinha ou Batata Baroa que era velha conhecida das populações mais pobres era desprezada pelos mais abastados , ele inclusive só conseguiu vendê-la no restaurante do Copacabana Palace quanto botou um nome francês, como se assim a “sociedade” carioca pudesse comer sem culpa, mesmo não sabendo que se tratava. Não acho que o Chef Laurent tenha feito o uso destes ingredientes propositalmente para sua promoção, ele adotou o modo de operar de Paul Bocuse e a Nouvelle Cusine, usar os melhores produtos de cada estação disponíveis no local. Já Alex Atala e outros vão buscar os produtos nos lugares mais distantes para que uma “elite”, que continua ignorante ao próprio país, consuma e ele nem precisa colocar nomes franceses no cardápio, basta o nome do restaurante “DOM” e vale-tudo, bem caro por sinal. E tome bunda de formiga, priprioca, jambu e outros ingredientes que, em alguns casos, nem são comidos nos lugares de onde saem.

            Como Dória pontua no seu texto, nem todos estão indo nessa direção, muitos dos Chefs nacionais buscam a legibilidade: “Rodrigo Oliveira mostrou que segue um caminho inverso: não persegue ingredientes raros e se debruça sobre os mais corriqueiros, como seu “mocofava”, seu torresmo ou seu “escondidinho” atestam.”. Não concordo que os estrangeiros estão mais interessados em conhecer a Amazônia do que o Brasil, como o autor afirma, se muitos de nós não percebemos claramente a diferença entre os dois, eles é que não tem a mínima idéia. Vejo que há uma disposição para conhecer  Brasil, depende de nós mostrarmos o legível ou o legítimo.

            Quando o texto fala sobre a “meditarranização” que Adrià e outros promoveram na Espanha como um caminho para a nossa gastronomia legível eu volto a pensar sobre o tamanho do Brasil, claro que há elementos possíveis que podem integrar essa cozinha, mas quais têm realmente identidade nacional?

            Percebe-se no texto que a parte da população que pode consumir a gastronomia de vanguarda no Brasil, legível ou legítima, mantém ligações com a elite dos tempos da colônia, ou seja, ignorante e cafona, comem no “DOM” o que provavelmente não comeriam no Ver-o-peso, com exceções é claro. 

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